"Lutar pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo!" Olga Benário
"Mulheres recatadas não fazem história!" Laurel Thatcher Ulrich
Estas são duas frases inspiradoras para a nossa cientista de hoje e tem super a ver com ela. Em 1987 nasceu Daniella Pereira Fagundes de França, nossa querida Dani França: goiana, bióloga, cientista, mãe do Ernesto e da Paulinha, fotógrafa, divulgadora científica, consultora ambiental, poeta, professora e pesquisadora.
Dani teve sua graduação em Ciências Biológicas pela PUC-Goiás (2008), onde desenvolveu trabalho de conclusão de curso sobre serpentes. Através de estágios durante sua graduação, especializou-se nas áreas de Zoologia de Vertebrados e Educação Ambiental. Tornou-se Mestre em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais pela Universidade Federal do Acre (UFAC). É doutora em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista. Durante o estudo que desenvolveu para sua tese de doutorado intitulada “Revisão Taxonômica do Gênero Apostolepis” que contou com a parceria dos herpetólogos Fausto Erritto Barbo, Helder Silva, Nelson Jorge Silva-Junior e Hussam Zaher, houve uma contribuição maravilhosa para a ciência: a descoberta de uma nova espécie.
Essa descoberta foi publicada sob a forma de artigo com o título “A new species of Apostolepis (Serpentes, Dipsadidae, Elapomophini) from the Cerrado of Central Brazil”, na revista científica Zootaxa e foi assinado por ela e seus parceiros citados acima.
A nova espécie de serpente (subfamília Dipsadidae, tribo Elapomorphini, gênero Apostolepis) recebeu o nome “Apostolepis adhara”, em homenagem ao nome da estrela Adhara, a qual representa o estado do Tocantins na bandeira brasileira. A razão da homenagem é porque a serpente “A. adhara” foi encontrada próximo da Hidrelétrica de São Salvador, no município de São Salvador do Tocantins.
Daniella também é divulgadora científica e poeta da conservação, pois acredita que seu amor pela natureza pode ser compartilhado através de suas rimas e imagens dos animais que fotografa. Em sua jornada pela ciência, essa super hepertóloga uni seus valores e pautas pessoais aos quais se dedica, buscando formar uma rede de apoio a profissionais que encontram desafios na área. Desta forma, fundou projetos de grande relevância em diversas frentes de pesquisa:
Chalana Esperança (@chalanaesperanca): É uma das fundadoras da iniciativa que atua em ações de educação para conservação no Pantanal, ocupando a cadeira de coordenadora de Educação para Conservação. Para saber mais: https://linktr.ee/chalana_esperanca.
Herpetologia Segundo as Herpetólogas (@herpetosegundoherpetologas): é co-fundadora da iniciativa que promove o protagonismo feminino nas áreas científicas da Herpetologia (estudo dos répteis e anfíbios). Para saber mais:https://linktr.ee/H2H_Brasil
OrnitoMulheres (@ornitomulheres): rede que promove o protagonismo feminino nas áreas científicas da Herpetologia (estudo dos répteis e anfíbios) e Ornitologia (estudo das aves). Para saber mais: https://linktr.ee/ornitomulheres
O que amamos sobre a Dani é o fato de que além de ser uma super cientista, ela fez de suas dificuldades uma enorme rede de apoio para outras pessoas, especialmente para mulheres. E não é por menos: aos 21 anos, ela aprendeu a ser bióloga e mãe, vivendo as suas duas gestações no campo e na academia! E não temos dúvida que sua maternidade e carreira são fontes de inspiração para muitas pessoas.
“Tento mostrar o quanto nossa fauna é bela e rica, e precisa ser preservada. E mostrar que o lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na ciência e desbravando o brasil para fotografar cobras e outros bichos. E que gente do interior também pode ocupar espaços de destaque”.
A Dani aceitou responder algumas questões preparadas com carinho pela nossa equipe de alfabetização científica. Vem dar uma olhadinha nessa entrevista com essa super pesquisadora!
- O que a Daniella de hoje, aconselharia para a Dani do início da carreira? Teria algo que escolheria ter feito diferente?
No começo da carreira, com 17, 18 anos, eu era só uma criança insegura, apesar de achar que já sabia muito da vida. Tinha baixa autoestima e muitos conflitos internos gerados pelo que eu queria, o que eu achava que queria e o que esperavam de mim. Mas nessa época eu já não me preocupava muito mais em ser a filha perfeita e agradar meus pais, como quando criança, nem em me encaixar para ser aceita. Já era rebelde, havia aprendido a lutar pelo que achava certo, bom e justo. Me orgulho profundamente disso. Foi essa menina que me trouxe ao lugar que ocupo hoje! Meus sonhos nunca foram convencionais. Penso hoje que, ainda bem. Percebi desde cedo que ter paixões e ideais não muitos esperados para mulheres (principalmente naquela época) me faria travar guerras diárias contra o Sistema. Fui aprendendo, aos poucos que se quisesse ter uma realidade diferente da que a grande maioria das mulheres da minha família tiveram, teria que travar batalhas diárias de uma guerra longa e exaustiva. Hoje, aos 35 anos, diria a esta menina, em início de carreira, que ainda não venci essa guerra, pois ela não acabou, mas que estou lutando ao lado de milhares de mulheres para que meninas como ela possam quebrar um ciclo de dominância que nos impede de ser quem nascemos pra ser.
Com certeza diria a ela também que, ao olhar para trás, me orgulho muito da moça que ela foi, e que por causa dela estou trabalhando pelo que acredito: a conservação da nossa natureza! Na maioria dos dias estou exausta, às vezes machucada no corpo e na alma, mas com uma sensação incrível de liberdade!
Me lembro bem do que sonhava a jovem Dani de 18 anos. Com certeza ela não imaginava chegar onde cheguei, mas se me conhecesse hoje, ficaria satisfeita e orgulhosa, mesmo com tantas cicatrizes. Ela teria certeza de que tudo valeu a pena!
- Como surgiu a ideia de unir o seu amor pela natureza e pela fotografia transformando em poesias? Tem pretensão de lançar algum livro?
Escrevo desde criança. Comecei a escrever aos 12 anos, mais ou menos, por causa de uma paixonite de pré-adolescência, aquela coisa de primeiro amor. Nunca fui de guardar meus sentimentos; inclusive, quando eu estava apaixonada por alguém, não esperava que o menino falasse, ia logo me declarar, não conseguia guardar para mim. Como nessa idade eu não tinha permissão para namorar, embora quisesse (risos), escrevia. Muitas vezes entregava o que escrevia em forma de cartinhas. Me mantive escrevendo apenas coisas sobre amor até meus 15 anos, quando sofri uma decepção amorosa terrível pelo meu primeiro namorado e joguei todos os poemas fora. Era um caderno bonito, com folhas negras. Eu usava uma caneta prata e desenhava cada letra como se fosse a materialização dos meus sentimentos. Queimei o caderno como quem queimava o amor pelo objeto da minha paixão (risos). Eu era dramática, profunda e muuuuuito romântica. Cresci e muita coisa mudou, mas nem tudo.
Nunca parei de escrever, mas fiquei anos sem escrever em forma de versos. Durante o primeiro ano de pandemia do coronavírus, no entanto, entrei em desespero ao ver o Pantanal pegando fogo, e resolvi rabiscar o que estava sentindo. Sem perceber, saiu da ponta do lápis um poema com teor político e muito apaixonado em relação ao que acontecia. Foi assim que percebi que podia usar isso para mostrar às pessoas, de forma poética, o quanto a natureza é incrível e necessária.
Sim, pretendo escrever um livro com alguns poemas reunidos, mas a Chalana Esperança vai lançar uma coleção de livros meus e da Luciana Leite sobre os animais do Pantanal, com textos em versos, contando um pouco sobre a história natural desses animais relacionando às dificuldades que eles enfrentam por causa das ações humanas.
- Como foram as gestações conciliadas com o trabalho de campo e acadêmico?
Nossa, eu poderia escrever um livro só para contar isso (risos)! São muitas nuances relacionadas a este assunto na minha vida/carreira em paralelo, tanto que comecei uma linha de pesquisa sobre mulheres na ciência, junto com outras pesquisadoras, depois que tive consciência do quanto este assunto era importante e necessário.
Quando engravidei do Ernesto eu tinha 21 anos e estava terminando a faculdade de Biologia. Na colação de grau estava grávida de 4 meses, mas apesar da pouca idade e de estar começando a minha carreira, nunca pensei que minha vida tinha acabado, como ouço de muitas mulheres (que tem razão para achar isso). Talvez porque ser mãe, para mim, era tão importante quanto ter a carreira que eu queria e jamais seria uma opção renunciar a qualquer uma dessas coisas. Tampouco eu sabia das dificuldades que me esperavam, claro, mas independente disso, não tenho dúvidas de que não teria feito nada diferente.
Foi difícil ser mãe de um menino pequeno enquanto construía minha carreira, entre trabalhos de campo, artigos, mestrado, trabalhos técnicos e tantas coisas, principalmente após me separar do pai dele e me tornar mãe solo (completamente solo – risos), mas tive um pai maravilhoso que me deu todo apoio do mundo e ficava com meu pequeno quando eu não podia leva-lo comigo. Quando estava com ele, tinha que me organizar muito bem para conseguir ser muito produtiva nas poucas horas do dia que eu tinha disponíveis, pois meu filho sempre foi minha prioridade.
Quando comecei o doutorado fui morar com meu namorado (agora ex) em São Paulo e engravidei da Paulinha no primeiro mês. Foi um susto! Ernesto tinha seis anos e eu ainda estava sem bolsa. Fiquei desesperada em pensar que teria que fazer uma pesquisa pesada, com viagens marcadas para analisar serpentes de toda a América do Sul tendo um bebê de colo em casa. Quando penso que consegui finalizar o doutorado e ser academicamente ativa durante os quatro anos, tendo publicado artigos, ministrado cursos, palestras e mantido minha pesquisa, penso que foi devido a quatro motivos: o pai da Paulinha foi e é um pai participativo, que dividiu comigo as tarefas de cuidá-la igualmente, o fato de eu ter conseguido bolsa FAPESP, com valor mais alto que as bolsas de estudo federais, meu orientador, que me deixava trazer meus filhos pro laboratório sempre que eu precisava e me deu todo apoio possível, e à minha disciplina de trabalho, adquirida quando me tornei mãe do Ernesto (porque antes de ser mãe eu era completamente indisciplinada – risos). Então, não digo que foi fácil, mas consegui porque era o que eu queria e porque tive muito apoio.
Muitas vezes foi tão difícil que pensei em desistir. Nesses momentos eu respirei fundo, analisei que aquela vida era a que eu queria, e tentei achar formas de continuar. Está dando certo, até agora. Além digo, eu brigo pelos meus direitos e não deixo barato quando sou injustiçada. Isso ajuda, também.
- Hoje, na área da ciência, qual setor você analisa ser o que mais tem necessidade de profissionais e em expansão?
Acho que áreas relacionadas a conservação estão crescendo, embora no nosso país ainda tenha pouco investimento nessa linha de pesquisa, infelizmente. Mas estou bem esperançosa por uma mudança relacionada a isso nos próximos anos. Na minha opinião e de centenas de ambientalistas e instituições de pesquisa ao redor do mundo, é extremamente urgente não apenas mapear localidades prioritárias para conservação, mas também criar meios para salvar o que ainda resta. Me tranquiliza pensar que temos muitas ferramentas tecnológicas para isso. Se o mundo acabar, vai ser por pura incompetência, ou por ganância...
Importante lembrar que a ciência de base também não pode ser esquecida. Temos muitos assuntos urgentes para resolver, é claro, mas não há como trabalhar pela conservação sem saber nem mesmo quais espécies de seres vivos existem em determinadas áreas. Por incrível que pareça, ainda existem centenas de áreas no Brasil e no mundo com sua biodiversidade muito pouco ou nada conhecida. Espécies novas de vários grupos de seres vivos são descobertas e descritas todos os dias. No entanto, linhas científicas responsáveis por catalogar e estudar o básico da nossa biodiversidade são tratadas como obsoletas e dispensáveis por quem fornece o financiamento e por muitas partes da sociedade, até mesmo por outros cientistas. Por isso digo que, em paralelo às ciências aplicadas, sobretudo à saúde e conservação dos ecossistemas, não podemos deixar de trabalhar com a ciência de base, que ainda há tanto a nos dizer.
- Um conselho para quem quer começar na área?
Seja feroz! Principalmente de for de alguma minoria! Sei que ser cientista é difícil para qualquer um, pois é uma profissão que exige de nós muito esforço, dedicação e tempo de vida, mas digamos que para um homem branco, cis, heterossexual e de família abastada, as coisas são muito mais fáceis, as barreiras são menores e as distância mais curtas. Se você for um homem negro, trans, indígena, gay, com alguma deficiência, será muito mais difícil. Mas se for uma mulher nas mesmas condições, vai ter que ser muito brava! É isso mesmo! Não gostaria de ter que dar este conselho. O ideal seria se todos pudessem se esforçar da mesma forma para alcançar os mesmos objetivos, e que a competição fosse vencida realmente por aquele que mais lutou, mas sabemos que não é assim. Então, sejam bravas! Sejam ferozes! Não aceitem menos do que o que lhes cabem, não aceitem injustiças, ocupem os lugares que desejam ocupar através do seu próprio suor e sangue, e lutem por quem não consegue lutar por si própria/próprio. Só seremos vitoriosos depois que todes puderem seguir a mesma regra do jogo para ganhar o prêmio, mas enquanto isso não acontece, vão e peguem o que é de vocês, nem que seja com os dentes!
Se você, assim como nós, se encantou pela Dani e gostaria de acompanhá-la mais de pertinho, ou seus projetos, clique aqui: https://linktr.ee/Moojeni.
Texto e Texto instagram,: Amanda Aparecida de Oliveira;
Pesquisa e Arte: Aline Freiria dos Reis;
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